"Bodas de Sangue" enche os sentidos no arranque do Mindelact | Dai Varela

10 de setembro de 2011

"Bodas de Sangue" enche os sentidos no arranque do Mindelact

Cartaz do "Bodas de Sangue"
A peça teatral “Bodas de Sangue” fez esta sexta-feira a abertura em grande do Festival Internacional de Teatro – Mindelact’2011. Com casa cheia, muita gente não se importou de ficar em pé para assistir no palco um texto inspirado nas reportagens jornalísticas de Federico Garcia Lorca encenado pelo experiente Grupo do Centro Cultural Português – IC, do Mindelo. O local escolhido para a abertura foi o Auditório do Centro Cultural do Mindelo que recebeu uma peça com nada menos do que dezasseis personagens que durante uma hora e meia demonstraram que “todo mundo cabe num teatro” e isso lhes valeu rasgados elogios dos espectadores presentes.



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Apesar de João Branco afirmar que não acredita que o público crioulo só goste de rir no teatro, nem mesmo ele se atreveu a encenar esta peça somente pela vertente tragédia grega. Mesmo as situações sérias do texto são entrecortadas por tiradas de humor que criam uma “onda de alegria” nos espectadores. É que o encenador, amante e conhecedor das artes cénicas, sabe por onde agarrar seu público e não deixou uma tragédia grega esticar por demais o poder de concentração da plateia. Mesmo sendo Mindelact uma escola de público com dezassete anos a apresentar qualidade o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português soube explorar esta pitada de humor crioulo e representar uma adaptação de um dos maiores dramaturgos de todos os tempos e autor de várias obras.

João Branco
Mas este humor também pode ser considerado sorte, sorte por poder trabalhar um texto numa terra considerada bilingue. E esta possibilidade de um personagem falar 95% de uma frase em português e terminá-lo em crioulo cria esse humor que nem precisa ser forçado. Esta particularidade foi bem explorada para conseguir criar uma simbiose com o público.

Uma palavra de apreço a jovens talentosos actores que, não sendo revelações, demonstraram que há um manancial de prodígios nas artes cénicas para deixar qualquer crioulo com orgulho. Actores como Odair 'Bic' Fortes que possui um porte de galã de Hollywood e uma presença que enche o palco mostram toda a qualidade crioula no palco. Com outras oportunidades para tentar uma carreira no mundo da arte, hoje teríamos um ídolo ou um modelo que a nossa juventude se encheria de orgulho ao identificar-se. Claro que isso iria exigir-lhe mais trabalho a nível da dicção e alguma sintonia entre a mensagem e a postura corporal, porque, projecção de voz é com ele mesmo.

Luana Jardim (a empregada) ganhou logo a simpatia do público por abordar com bom humor o tema que mais nos faz rir no escuro: a sexualidade. Um trabalho bem conseguido tanto na expressão corporal como na representação das suas tiradas engraçadas. Muito boa actriz que espero ver num papel principal – se for de comédia melhor ainda. Outra grande interpretação da noite foi a da Maria 'Ducha' da Luz Faria (mãe do noivo) que conseguiu comunicar toda a intensidade da perda e a interpretou de forma esplêndida. Como se isso já não fosse habitual, diriam. Grande actriz e uma escola para os mais novos, inclusive os que estavam em palco nesta peça que demonstram potencialidades dignas de nota. Mas nem todos estiveram à altura. Amílcar 'Micau' Zacarias (o noivo), experiente actor, não conseguiu transmitir toda a carga dramática desta tragédia e não conseguiu convencer no seu papel.

Francisca Lima
Esta produção ainda contou com a participação da actriz portuguesa Francisca Lima (Mestre em Representação pela Escola de Teatro e Cinema de Portugal) que representou – e bem - o papel da noiva e que considerou esta uma grande oportunidade de trocar experiências com os actores crioulos e que fala da sua “surpresa agradável” por ver teatro, quase todas as semanas, no verão de Mindelo, algo fora do comum na Europa. “Vi que se faz coisas muito boas e vi também que a ideia que se tem de fora é um bocado errada porque há muita coisa que não passa nos meios de comunicação no meu país. Agora vou com a intenção de partilhar esta experiência com muitas pessoas de lá.”

Objectos cenográficos simples sem serem simplórios compõem um cenário limpo da peça. Quem não conseguiu o efeito pretendido foi o abat-jour de sangue que deveria dar um maior efeito ao drama. O trabalho de luz, apesar de ser feito pelo experientíssimo César Fortes, teve momentos que não foi bem conseguido com os actores a contracenarem num ambiente muito escuro, que podia desviar a atenção do público. Numa próxima oportunidade talvez veremos a peça com maior uso das luzes pontuais.

Di Fortes
A aposta na música ao vivo é contraditória. Se por um lado é inédito a presença dos músicos tocando clarinete e violoncelo e que trouxe um quê de diferente, por outro, a execução dos instrumentos não foi potencializada e explorada para criar um melhor ambiente cénico. Um desafio para Di Fortes para investir mais na direcção musical para a próxima apresentação.

Ainda na parte acústica, o Auditório do Centro Cultural do Mindelo tem deixado muito a desejar na qualidade sonora desde que foi remodelado. Claro que alguns actores mostram dificuldades na projecção da voz mas já deu para notar a fraca propagação do som para que o público possa entender todas as falas. 

Mais um excelente trabalho do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português – IC que já vai na sua 46ª produção e que veio comprovar – se isso fosse necessário - o amadurecimento do público do Mindelact. Começámos bem!


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