Li atentamente o comunicado da Ajoc Cabo Verde intitulado “AJOC condena atuações do "repórter do povo" em São Vicente” e fiquei preocupado e com muitas dúvidas.
Não se entende como é que a AJOC
avança com a informação de que há “ameaças de agressão” e “dificuldades” sem
apresentar um único exemplo claro e detalhado das ações do "Repórter do
Povo" que teriam dificultado o trabalho dos jornalistas em Mindelo. Não
são mencionadas provas ou registos que sustentem as alegações de interferência
direta e postura hostil do visado no comunicado. Ao se fazer uma acusação
desta, a AJOC teria de ter alguma evidência concreta ou gravações que comprovem
as ameaças e perturbações causadas pelo indivíduo.
Também, ao fulanizar a ação do
“Repórter do Povo” a AJOC passa a mensagem de que a ameaça ao Jornalismo em São
Vicente é um problema centrado exclusivamente nele. Não se entende esse ataque
ad hominem, focando mais na pessoa do que nas acções e outras ameaças. Claro
que é importante reforçar a liberdade de imprensa e da proteção dos
jornalistas, mas é perigoso focar num indivíduo que exerce o seu direito de
liberdade de expressão, como princípio fundamenta, garantido pela Constituição.
Tenho dúvidas acerca da
solicitação da AJOC para que a ARC (Autoridade Reguladora para a
Comunicação Social)
intervenha contra o "Repórter do Povo". Isso porque a ARC exerce os
necessários poderes de regulação e de supervisão de todas as entidades que
prossigam atividades de Comunicação Social em Cabo Verde, sem prejuízo da
liberdade de imprensa. Ora, o "Repórter do Povo" não poderá ser
considerado uma “entidade que prossegue actividades de Comunicação Social”,
pelo que a AJOC teria de explicar quais ações específicas a ARC poderia ou
deveria tomar. Não pode é somente criticar a inação da ARC quando nem mesmo a AJOC
fez uma denúncia formal na ARC.
Outro ponto importante é o apelo
à Comissão
de Carteira Profissional do Jornalista
(CCPJ) para se pronunciar sobre as ameaças e reforçar a importância da
qualificação profissional. O que não entendi é qual a relação direta entre as
possíveis ameaças e a necessidade de formação. A AJOC não explica qual seria a
competência da CCPJ neste caso, sendo que a CCPJ tem apenas competências para
conceder, emitir, renovar, suspender e cassar títulos de acreditação dos
profissionais da informação dos meios de comunicação social. Ora, neste caso, o
“Repórter do Povo” não é um ‘profissional da informação dos meios de
comunicação social’ ou seja, não é funcionário de nenhuma empresa de
comunicação social registado através da Lei de Registo das Empresas e Meios de
Comunicação Social (Decreto-Lei Nº 47/2018, de 13 de agosto). Como já disse,
não acompanho muito os vídeos, mas a AJOC não esclarece se o "Repórter do
Povo" está se apresentando como jornalista profissional ou a ter discurso
de ódio, difamação ou incitação à violência, o que poderia restringir o seu
direito de expressar as suas opiniões e compartilhar informações nas redes
sociais.
Contudo, a maior dúvida está na
intenção da AJOC de apresentar uma queixa-crime ao Ministério Público. Ora, o
comunicado não explica quais seriam os fundamentos legais da queixa-crime, não
há referência às leis específicas que estão sendo violadas, o que poderia
fortalecer a fundamentação jurídica do argumento.
Ao dizer que o "Repórter do
Povo" utiliza as redes sociais para fazer transmissões ao vivo nas quais
faz ameaças aos jornalistas, a AJOC tinha a obrigação de apresentar links ou
registos, vídeos, datas ou conteúdo das transmissões para sustentar a gravidade
das ações descritas. Provas!
Quanto ao uso do título
“Repórter do Povo” pelo visado, a questão é complexa e merece uma análise
cuidadosa. Se o termo "repórter" geralmente está associado à
profissão jornalística, por outro lado, o CCPJ apenas reconhece o termo
“Jornalista” e estipula que é condição do exercício da profissão de jornalista
a habilitação com a respectiva carteira profissional.
Por outro lado, usar o título
"Repórter do Povo" nas redes sociais pode ser interpretado como uma
tentativa de se passar por jornalista sem a devida qualificação e
responsabilidade. Mas, a lei geralmente se preocupa mais com a representação
explícita como "jornalista profissional" do que com termos genéricos.
O que se poderá entender é que a página teve uma tentativa de legitimação
através do termo “Repórter do Povo”, mas o problema só se põe se ele
explicitamente alega ter credenciais jornalísticas ou tenta aceder a eventos ou
áreas restritas a jornalistas profissionais. Se há provas de que ele se
apresenta às fontes e/ou ao público como Jornalista então já se configura
automaticamente uma tentativa de se passar por jornalista profissional. Provas!
Não a mim, que não sou tribunal, mas a acompanhar a Nota de Repúdio da AJOC.
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