AJOC e a controvérsia do "Repórter do Povo": Falta de evidências nas acusações | Dai Varela

9 de outubro de 2024

AJOC e a controvérsia do "Repórter do Povo": Falta de evidências nas acusações

Li atentamente o comunicado da Ajoc Cabo Verde intitulado “AJOC condena atuações do "repórter do povo" em São Vicente” e fiquei preocupado e com muitas dúvidas.

AJOC e a controvérsia do "Repórter do Povo": Falta de evidências nas acusações


Não se entende como é que a AJOC avança com a informação de que há “ameaças de agressão” e “dificuldades” sem apresentar um único exemplo claro e detalhado das ações do "Repórter do Povo" que teriam dificultado o trabalho dos jornalistas em Mindelo. Não são mencionadas provas ou registos que sustentem as alegações de interferência direta e postura hostil do visado no comunicado. Ao se fazer uma acusação desta, a AJOC teria de ter alguma evidência concreta ou gravações que comprovem as ameaças e perturbações causadas pelo indivíduo.

Também, ao fulanizar a ação do “Repórter do Povo” a AJOC passa a mensagem de que a ameaça ao Jornalismo em São Vicente é um problema centrado exclusivamente nele. Não se entende esse ataque ad hominem, focando mais na pessoa do que nas acções e outras ameaças. Claro que é importante reforçar a liberdade de imprensa e da proteção dos jornalistas, mas é perigoso focar num indivíduo que exerce o seu direito de liberdade de expressão, como princípio fundamenta, garantido pela Constituição.

Tenho dúvidas acerca da solicitação da AJOC para que a ARC (Autoridade Reguladora para a Comunicação Social) intervenha contra o "Repórter do Povo". Isso porque a ARC exerce os necessários poderes de regulação e de supervisão de todas as entidades que prossigam atividades de Comunicação Social em Cabo Verde, sem prejuízo da liberdade de imprensa. Ora, o "Repórter do Povo" não poderá ser considerado uma “entidade que prossegue actividades de Comunicação Social”, pelo que a AJOC teria de explicar quais ações específicas a ARC poderia ou deveria tomar. Não pode é somente criticar a inação da ARC quando nem mesmo a AJOC fez uma denúncia formal na ARC.

Outro ponto importante é o apelo à Comissão de Carteira Profissional do Jornalista (CCPJ) para se pronunciar sobre as ameaças e reforçar a importância da qualificação profissional. O que não entendi é qual a relação direta entre as possíveis ameaças e a necessidade de formação. A AJOC não explica qual seria a competência da CCPJ neste caso, sendo que a CCPJ tem apenas competências para conceder, emitir, renovar, suspender e cassar títulos de acreditação dos profissionais da informação dos meios de comunicação social. Ora, neste caso, o “Repórter do Povo” não é um ‘profissional da informação dos meios de comunicação social’ ou seja, não é funcionário de nenhuma empresa de comunicação social registado através da Lei de Registo das Empresas e Meios de Comunicação Social (Decreto-Lei Nº 47/2018, de 13 de agosto). Como já disse, não acompanho muito os vídeos, mas a AJOC não esclarece se o "Repórter do Povo" está se apresentando como jornalista profissional ou a ter discurso de ódio, difamação ou incitação à violência, o que poderia restringir o seu direito de expressar as suas opiniões e compartilhar informações nas redes sociais.

Contudo, a maior dúvida está na intenção da AJOC de apresentar uma queixa-crime ao Ministério Público. Ora, o comunicado não explica quais seriam os fundamentos legais da queixa-crime, não há referência às leis específicas que estão sendo violadas, o que poderia fortalecer a fundamentação jurídica do argumento.

Ao dizer que o "Repórter do Povo" utiliza as redes sociais para fazer transmissões ao vivo nas quais faz ameaças aos jornalistas, a AJOC tinha a obrigação de apresentar links ou registos, vídeos, datas ou conteúdo das transmissões para sustentar a gravidade das ações descritas. Provas!

Quanto ao uso do título “Repórter do Povo” pelo visado, a questão é complexa e merece uma análise cuidadosa. Se o termo "repórter" geralmente está associado à profissão jornalística, por outro lado, o CCPJ apenas reconhece o termo “Jornalista” e estipula que é condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com a respectiva carteira profissional.

Por outro lado, usar o título "Repórter do Povo" nas redes sociais pode ser interpretado como uma tentativa de se passar por jornalista sem a devida qualificação e responsabilidade. Mas, a lei geralmente se preocupa mais com a representação explícita como "jornalista profissional" do que com termos genéricos. O que se poderá entender é que a página teve uma tentativa de legitimação através do termo “Repórter do Povo”, mas o problema só se põe se ele explicitamente alega ter credenciais jornalísticas ou tenta aceder a eventos ou áreas restritas a jornalistas profissionais. Se há provas de que ele se apresenta às fontes e/ou ao público como Jornalista então já se configura automaticamente uma tentativa de se passar por jornalista profissional. Provas! Não a mim, que não sou tribunal, mas a acompanhar a Nota de Repúdio da AJOC.

 

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