Morre-se cada vez mais do coração em Cabo Verde | Dai Varela

4 de junho de 2011

Morre-se cada vez mais do coração em Cabo Verde

A mudança no estilo de vida do caboverdeano e o aumento da cobertura de saúde estão a aumentar o número de doenças cardiovasculares no país. Só no Hospital “Dr. Baptista de Sousa”, em S.Vicente, 129 pessoas foram internadas com AVC (Acidente Vascular Cerebral) em 2009 e 2010. Os dados demonstram que o problema está a aumentar em todo o país, o que significa que estamos a morrer, cada vez mais, dos males do coração. 





 
As últimas três décadas registaram uma mudança substancial no panorama da Saúde em Cabo Verde. A melhoria do nível de vida dos caboverdeanos e o sedentarismo estão entre as causas dessa constatação.

Se há alguns anos atrás as principais causas de morte no país eram as doenças infecto-contagiosas, hoje verifica-se que as doenças não transmissíveis (hipertensão, diabetes e cancro) são dos principais factores de mortalidade na população cabo-verdiana, segundo dados do Ministério da Saúde (MS).

É esta mudança de paradigma na saúde que despertou a vontade dos profissionais ligados à área a dedicarem o mês de Maio ao coração, alertando para os perigos que ele está sujeito e a melhor forma de combatê-los. Até agora o único estudo sobre a prevalência dos problemas cardiovasculares elaborado em Cabo Verde foi o Inquérito das Doenças Não-Transmissíveis (IDNT) e aconteceu em 2007. Os dados recolhidos vieram demonstrar que o consumo de álcool, a obesidade, a hipertensão e a glicemia são as doenças com maior taxa de prevalência no país.


DADOS FIÁVEIS PRECISAM-SE

Fernando Lopes - Cardiologista
Os dados deste estudo foram apresentados em 2008 e desde então não foi feito mais nenhum outro estudo, razão pela qual o especialista em doenças do coração, Fernando Lopes, considera que “ainda não se começou a fazer estudos em condições sobre problemas cardiovasculares” para podermos ter resultados a nível regional ou mesmo nacional em “quantidade e qualidade suficiente”.

Para isso, é necessário uma informatização de todos os hospitais, num processo amplo para “quando o paciente chegar ao Banco de Urgência ou for internado ou quando for fazer uma consulta haja um processo único e com isso conseguir-se trabalhar os dados de forma estatística”, aponta o cardiologista que exerce a especialidade desde 2008 em São Vicente.

Fernando Lopes é de opinião que os médicos devem ajudar na elaboração deste projecto mas há que ter em conta que isso tem um âmbito nacional onde tudo estará interligado: tensão primária e a tensão hospitalar. “Enquanto não houver esses dados será difícil trabalhar”, alerta.

PRINCIPAL CAUSA DE MORTE

O IDNT veio demonstrar que existem 14,5 por cento (%) hipertensos e com tratamento sob controlo na faixa etária dos 55 a 64 anos. Porém, o diagnóstico prévio mostrou que 35% dos homens e 52% das mulheres faziam tratamento anti-hipertensivo, segundo o Ministério da Saúde.

Antónia da Luz Lima
Uma das pessoas que certamente faz parte desta estatística é Antónia da Luz Lima, de 58 anos, que afirma sofrer de “tensão alta e obesidade”, mas que mantém a doença sob controlo à base de comprimidos e exercícios físicos regulares. “Há cerca de seis anos que me foi diagnosticada essa tensão alta e para a controlar prefiro fazer uma boa caminhada e um banho na praia da Laginha para começar o dia”.

A escolha pelo exercício físico é das mais acertadas já que os especialistas confirmam a teoria de que a prática regular de exercício físico previne as doenças cardiovasculares e a obesidade. Isso é mais importante quando sabemos que a primeira causa de mortalidade em Cabo Verde, em 2007, foram as doenças cardiovasculares (670 óbitos, equivalente a 138,7 mortes por cada 100 mil habitantes). Logo a seguir surge o cancro (268 mortes) e as afecções respiratórias (230). Só em quinto lugar, aparecem as doenças infecciosas e parasitárias (172 óbitos).

“Cada vez há mais doentes com problemas ligados ao coração”, afirma Fernando Lopes que explica isso por estarmos num “processo de transição epidemiológica que muitos países do ocidente passaram e que na África Sub-sarihana ainda está no início”.

A nossa principal causa de mortalidade e morbilidade eram as doenças transmissíveis como a diarreia e a tuberculose, mas agora que Cabo Verde consegui combatê-las, o que está a nos afligir são “as doenças crónicas não transmissíveis, como os enfartes, AVC, doenças de rins e periféricos”. Pode-se verificar pelo grande número de pessoas que se vêem na rua com tromboses, membros amputados ou insuficiências cardíacas.


É PRECISO REPENSAR A SAÚDE

Cabo Verde não tem as condições para fazer face a um aumento da prevalência de doenças não-transmissíveis. Isso pode ser comprovado através dos dados de 2007 que apontavam uma razão de 4,7 médicos por dez mil habitantes; não existem estruturas para cuidados oncológicos e paliativos e os doentes têm de ser evacuados para o estrangeiro; não há unidade de cuidados intensivos e de hemodiálise.

Por exemplo, o Hospital “Dr. Baptista de Sousa”, em termos de morbilidade (ou seja, a taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada), registou 2662 consultas externas para diagnóstico e tratamento de hipertensão arterial nos anos 2009 e 2010. Os AVC foram responsáveis por 129 internamentos neste mesmo período de tempo num total de 3725 internamentos.

Algumas das causas da mudança do paradigma na nossa saúde podem ser porque “aumentamos a nossa esperança de vida e criamos melhores condições de saúde com uma maior cobertura”, como é apontado pelo especialista abordado.

Com a velhice mais doenças crónicas tendem a aparecer e com a melhoria das nossas condições de vida mudamos nosso estilo de vida. “Com isso passamos a importar o estilo de países desenvolvidos do ocidente. Antes não tínhamos hambúrgueres e batatas fritas e nem mesmo a televisão que nos faz sentar o dia todo e praticamente que não tínhamos pessoas gordas. Isso tudo mudou e hoje é preciso repensarmos a nossa saúde”, conclui o cardiologista Fernando Lopes.





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