Interpretar Germano Almeida | Dai Varela

2 de novembro de 2010

Interpretar Germano Almeida

Germano Almeida (Boa Vista, 1945) é um escritor cabo-verdiano.

Germano Almeida estudou Direito em Lisboa e dedica-se à advocacia na ilha de São Vicente. Seus romances foram traduzidos para diversas línguas.
Caracteriza-se por usar de forma magistral as armas do humor e da sátira, denuncia de forma ímpar a duplicidade hipócrita da sociedade cabo-verdiana, asfixiada durante os primeiros anos de independência por um regime de partido único. Fonte: Wikipédia

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O Testamento do sr. Napumoceno da Silva Araújo

A interpretação estará centralizada no quarto capítulo por se tratar do capítulo em que se dá inicio à acção que mudará a vida do sr. Napumoceno – o enorme lucro com a venda dos 10000 guarda-chuvas.

O narrador faz uso das várias formas de presença num mesmo parágrafo, passando de heterodiagético, com a narração feita na 3ª pessoa, à autodiagético e participante, com a narração na 1ª pessoa, conseguindo mesmo assim, que o texto flua de forma harmoniosa.
“… ia mentalmente rabiscando outra carta para o caixeiro-viajante, uma carta dura, mesmo ofensiva, para que o homem se pudesse sentir tão humilhado quanto ele Napumoceno. Pensou Exmo. Senhor, cortou, qual Exmo. Senhor!, ele merece mesmo é meu filho da puta, meu sacana de merda, aldrabão dum raio a enfiar a um pequeno comerciante no inicio de vida um empate de dez mil guarda-chuvas que não serão vendidos nem à razão de 5 por ano. Má-fé e aldrabice não são palavras suficientes para qualificar a forma desonesta como V. Excia me enganou.”

O humor está sempre presente nos textos de Germano Almeida, mesmo que, às vezes implicitamente, como quando diz que “…levou o locutor da Rádio Clube Mindelo a noticiar que em S. Vicente chuviscava torrencialmente.”, ou após obter o grande lucro com os guarda-chuvas ter mudado de opinião em relação ao caixeiro-viajante “considerou que não valia a pena ofender o amigo […] por tão pouca coisa…”

As personagens são dotadas de dinâmica, com densidade psicológica, capazes de alterar o seu comportamento, e, por conseguinte, de evoluir ao longo da narrativa, “Até ali uma menina dócil e carinhosa para a mamã, naquele dia Gracinha perdeu as estribeiras e exigiu explicações…”

A acção no texto é constituída por um número variável de sequências (segmentos narrativos com princípio, meio e fim), que podem aparecer articulada de vários modos:
- Encadeamento ou organização por ordem cronológica, “Não foi sem surpresa que logo no dia seguinte viu 1000 guarda-chuvas abandonar os armazéns […], só quando, 3 dias depois, já colocara no mercado 6000 guarda-chuvas…”
- Alternância, em que várias histórias ou sequências vão sendo narrados alternadamente, podendo estas fundirem-se em qualquer momento da intriga, “… deixava como presente à sua filha em segredo idolatrada, Maria da Graça. Mas ainda no que se refere ao fato…”

O tempo do discurso, feito na forma dialogada, segue um formato que foge ao pré-estabelecido, com os personagens a falarem sem o uso das aspas ou travessão, “…não conseguiu engolir um que se foda no inferno o velho danado!”, ou, “…e correu para casa, merda para o luto, vestiu-se à civil”.

A focalização, ou a perspectiva adoptada pelo narrador em relação ao universo narrado também muda constantemente, indo de uma focalização omnisciente – colocada numa posição de transcendência, o narrador mostra conhecer toda historia, manipula o tempo, devassa o interior das personagens, “Evidentemente que o sr. Napumoceno não era homem para falar no seu testamento com tanto espavento…”
O narrador também adopta a focalização interna – adopta o ponto de vista de uma ou mais personagens, dai resultando uma diminuição ou restrição de conhecimento, “A afirmação do Sr. Napumoceno de ter sido lenhador foi considerada por Carlos como simples força de expressão…” 

Livro de leitura fácil e divertida. Recomendo.

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