A Cultura nos jornais 'A Semana' e 'Expresso das Ilhas' | Dai Varela

12 de outubro de 2010

A Cultura nos jornais 'A Semana' e 'Expresso das Ilhas'

Resumo: Este artigo explora os géneros e formatos dos artigos publicados nos suplementos culturais dos jornais1 A Semana eExpresso das Ilhas para traçar os seus perfis. Trata-se de um estudo empírico feito através de pesquisa bibliográfica, tendo a análise do conteúdo como metodologia. Através da observação sistemática conclui-se a ausência de profundidade nos artigos opinativos e uma proliferação de entrevistas.
1O caso do jornal A Nação não foi estudado por não ter sido possível localizar a sua sede na ilha de São Vicente, o que impossibilitou a recolha e posterior análise das suas edições do mês de Janeiro de 2010


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Introdução
A Cultura a muito que tem merecido uma atenção especial dos jornais, chegando-se ao ponto de ter sido criado suplementos ou cadernos dedicados inteiramente à ela, ou que haja jornalistas especializados na matéria trabalhando a tempo inteiro nessa secção. Nasce, assim, o jornalismo cultural.
Mas, será que o espaço ocupado pelos jornalistas nos suplementos culturais não deveria ser preenchido por críticos da arte? Onde termina a fronteira do papel do jornalista (transmitir os fatos com rigor e isenção) e começa o ‘jornalismo cultural’? Em que campo estará a entrar o jornalista ao sair da mera veiculação da informação de forma analítica do evento cultural e decide fazer julgamentos de valores do artista ou da obra em si?
Perguntas de difíceis respostas, pois que na nossa sociedade não é conhecido (reconhecido) críticos de artes, pelo que, o jornalista, fazendo uso do género literário adequado, consegue veicular a sua opinião, muitas vezes escudando-se na expressão “segundo os críticos”.
Metodologia
Para realização do artigo, foi adoptado o seguinte perfil metodológico: préanálise do conteúdo, exploração do material e tratamento dos resultados. É importante frisar que o estudo apresentado a seguir reflecte exclusivamente a vigência dos géneros e formatos dos Jornais A Semana e Expresso das Ilhas nas suas edições do mês de Janeiro de 2010, podendo ser tomado apenas como ponto de partida para a compreensão de tais classificações no cenário do jornalismo cultural. Não é possível, portanto, fazer generalizações em torno do tema, uma vez que cada veículo revela diferentes produtos jornalísticos.
A Semana - Jornal semanário e generalista. As manifestações culturais são tratadas no suplemento KRIOLIDADI – Cultura e Variedades.
Expresso das Ilhas - Jornal semanário e generalista. As notícias culturais estão no suplemento Nôs KULTURA.


O Estudo
Como o objectivo central do estudo é compreender quais os géneros e quais os formatos que compõem os suplementos culturais, foi feita a selecção de quatro edições de cada jornal que circularam no mês de Janeiro de 2010. O exercício de observação sistemática revelou que, nas quatro edições abordadas, foram publicados oitenta e oito conteúdos jornalísticos nos suplementos culturais, sendo que a maior incidência ocorreu no suplemento Nôs KULTURA, com quarenta e sete conteúdos. Ainda como parte da análise morfológica, considerou-se oportuno organizar os géneros conforme a predominância de cada um, conquistando a notícia o topo da pirâmide. Tal distribuição possibilitou uma percepção mais clara sobre as características das publicações.


O Espaço da Cultura
Um dos objectivos da investigação é o de situar a geografia política dos textos, com finalidade de esboçar os principais interesses dos jornais. Tomou-se como base, nessa etapa, quatro subcategorias: 1) global; 2) nacional; 3) regional; e 4) inclassificável. Sendo ‘global’ os acontecimentos que têm lugar em outras partes do mundo que não Cabo Verde; ‘nacional’, aqueles que teoricamente acontecem em simultâneo em todas as ilhas, como lançamento de livros e CD’s; ‘regional’, os eventos distribuídos por ilha; e, ‘inclassificável’, os textos que não são possível situar geograficamente, como entrevistas e artigos de opinião.
Quadro 1 – Distribuição dos textos por território
GEOGRAFIA
Nôs KULTURA
KRIOLIDADI
TOTAL
Global
4
4
8
Nacional
4
5
9
Regional
25
22
47
Inclassificável
14
8
22
TOTAL
47
39
88

Os textos, na sua maioria, versam sobre acontecimentos que tiveram lugar nos dois maiores centros urbanos do país, com especial incidência para a capital (32 textos) e Mindelo (15 textos). Curiosamente, talvez por haver numerosas coberturas de eventos nos locais habituais, os jornais muitas vezes não referem em que ilha/cidade está localizado o espaço/edifício do evento, partindo do pressuposto de que os leitores sabem de antemão onde fica situado, por exemplo, a Casa da Memória ou o Centro Cultural Francês.
O Jornalista Cultural
No suplemento Nôs KULTURA encontram-se um maior número de articulistas (13), sendo dois colunistas com textos periódicos e espaço reservado. A quantidade de articulista não reflecte a proficuidade de textos dos mesmos, com a grande maioria a escrever um ou dois textos. Somente um articulista conseguiu chegar aos sete textos em quatro edições. A nível de artigos sem autoria, este suplemento publica catorze textos sem assinatura do autor, sendo muitos deles press release ou notas de imprensa.
Enquanto no suplemento KRIOLIDADE foram sete os articulistas que assinaram os textos, sendo que a grande maioria apenas publicou um único texto em quatro edições. Destaque para a jornalista Teresa Sofia Fortes com dezassete artigos publicados. Durante a edição de Janeiro, o suplemento deu estampa a cinco artigos sem referência à autoria.


Considerações Finais
Para evitar que o jornalista seja questionado acerca das suas bases teóricas para criticar as diversas formas de arte presente nos cadernos culturais, ele parece ter criado uma mistura própria de noticiar o evento e fazer apreciações sobre o mesmo. Talvez a fórmula secreta encontrada foi fazer essas apreciações sempre de forma positiva. Mesmo que o artista possa pensar que o jornalista não sabe a diferença entre ritmo e tom, ou entre uma tela em batik ou pastel ou entre um conto e uma novela, mas pelo facto de que as “críticas” terem sido positivas, não parece haver razão para contestar a sua apreciação.
Conclui-se, assim, que o jornalismo cultural, para além do seu carácter informativo, contém traços de análises valorativas que dependem em muito do estado de espírito do jornalista ou do estado das coisas na própria sociedade. Também, a característica do mercado, com o público a exigir o consumo de um produto acabado obriga o jornalista a opinar. Outro factor que influencia a escrita do artigo é o formato do suplemento: todas as edições tem o mesmo número de páginas, o que pode obrigar o jornalista a “pintar o quadro” para manter o formato padrão.
Nota-se alguma superficialidade na crítica aos eventos/artistas, que pode ser resultado do diminuto espaço dedicado à reportagem e crónica em relação à agenda cultural ou então do despreparo do jornalista especializado numa área cheia de subjectividade, com pouca tradição, tanto como meio de comunicação em si (jornal impresso), como nas técnicas de comunicação.


Bibliografia
BASSO, E. F. C. Revista Senhor: modernidade e cultura na imprensa. Brasil, 2005
FARO, J. S.. Nem tudo que reluz é ouro: contribuição para uma reflexão teórica sobre o jornalismo cultural. Universidade Metodista de São Paulo, 2003
RUBIM, Linda. Organização e Produção da Cultura. Salvador: EDUFBA, 2005.




Este texto é um excerto do artigo apresentado por Odair Varela ( dai-varela@sapo.cv) para a cadeira de Sociologia da Comunicação (ministrada pelo Professor Doutor Daniel Medina) no curso de Licenciatura em Ciências da Comunicação – Universidade Lusófona Baltasar Lopes da Silva Cabo Verde a 15 de Fevereiro de 2010.

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