Aluna proibida de entrar na escola com "afro". Será que fazemos estas coisas? | Dai Varela

30 de setembro de 2012

Aluna proibida de entrar na escola com "afro". Será que fazemos estas coisas?

Quando viste notícia de que a Escola Mira-flores proibiu uma aluna de entrar por causa do seu cabelo “afro ficaste escandalizado, não? Mas será que não estamos fazendo coisas do tipo há muito tempo sem saber? 





A escola institucionalizou algo que as nossas crioulas fazem todos os dias. Hoje todos se mostram afrocentristas porque foi uma instituição que materializou algo que transmitimos há muitos anos. Em poucas palavras deixa-me dizer isto: as mulheres (e agora alguns homens também) estão nestes momento à caminho do cabeleireiro para alisar os seus “afros”. Todos os dias estão a “desfrisar” os seus cabelos porque este que tem na cabeça muitas vezes as envergonha. Muitas ficam com o cabelo irremediavelmente danificado por causa dos produtos químicos usados. Algumas terminam carecas. Vocês fazem comparação entre quem tem o cabelo mais liso. Agora estão a brigar porque esta escola disse em voz alta aquilo que murmuramos? 

Está-se a aproximar a época de festa e chegará o momento de comprar as bonecas para as meninas. Sabes o que vais encontrar nas estantes? Um monte de bonecas brancas de olhos verdes e loiras para as nossas crianças cuidarem. Será que nossas crianças não gostam de brincar com bonecas negras ou os pais não compram? Se os pais comprassem os comerciantes importavam – é a lei da oferta e da procura. 

Por isso que digo que quando meu amigo Miru fala do “Síndrome de Lynch” você o tacha de doido. Quando Jorginho fala na valorização da cultura negra você muda de estação de rádio. Quando Expavi, KuArta K, Chullage e muitos outros rappers cantam e alertam nas suas rimas você desliga a música porque não ouve rap. 



Deixo-vos aqui as palavras do Miru:


"Após identificar certos comportamentos na sociedade cabo-verdiana, permito-me dirigir estas palavras como forma de alertar o povo desta situação: Não sou Africano/a! Sou Caboverdeano/a! O que devo responder quando me perguntarem sobre a minha identidade? Sou Africano/a, ou sou Caboverdeano/a? 

Perguntas chocantes que abalam o povo Cabo-verdiano principalmente no seio dos mais jovens e estudiosos pelas respostas que se dão. Em algumas Ilhas é necessário um trabalho profundo de informação para evitar relações que podem ser desastrosas futuramente com o povo do resto do nosso continente. Se os Cabo-verdianos não se libertarem dessa escravidão mental vai ser impossível não entrar em choque num futuro muito próximo com o resto do mundo. São confrontos ideológicos e raciais, baseados em ensinamentos deturpados sobre as nossas origens africanas. 

Ensinamentos esses que sempre nos apresentaram como inferiores, tanto a nível físico, bem como - e principalmente - a nível intelectual, fazendo-nos acreditar que só é possível avançarmos com os Europeus e com a sua autorização. Esses preconceitos são tão profundos, e estão tão bem decalcados no nosso código mental que hoje em dia não precisam ser apresentados de forma aberta e formal. E é essa a causa de todo o seu sucesso: não são ensinados abertamente por isso não podem ser contestados. Como pode-se lutar contra algo que supostamente não existe? São pequenos ensinamentos que se encontram disfarçados dentro de uma estrutura educacional que nos tornou desconfiados das reais capacidades do Homem Original (O Negro). Quando o cabo-verdiano perde a capacidade de demonstrar essa tão publicitada morabeza para com o seu semelhante (negro) e abre os braços para receber o branco, não é mais do que a manifestação do Síndrome de Lynch. 

(William Lynch) foi um proprietário de escravos americano, em West Indies que em 1712, depois de tantos anos observando os escravos e todos os seus comportamentos nas suas plantações que definiu cientificamente e apresentou os métodos para controlar os escravos, onde foi chamado na zona Sul, na América, para apresentar os motivos e as razões do seu sucesso na West-Indies. Este controlo foi-se perpetuando por séculos, enraizado de tal forma que a sua transmissão entre o nosso povo é feita de forma inconsciente, nos nossos dias, que até muitos dos próprios intelectuais nunca irão conseguir libertar desta situação, a Escravidão Mental. O cabo-verdiano - apresentados os sintomas do Síndrome de Lynch - não consegue acreditar nas potencialidades e capacidades do próprio cabo-verdiano. A descrença no seu irmão não se deve pelo fato dele ter nascido em Cabo Verde (posição geográfica), mas por ele ser cabo-verdiano (mestiço ou negro). 

Esta desconfiança nas nossas competências foi-nos imposta após séculos de dominação, tanto física como intelectual. Porque cedo o senhor dos escravos compreendeu que não seria somente através da força bruta que conseguiria obrigar o negro a ser servil, a obedecer. Historicamente, o negro é reconhecido como forte, valente e lutador. Por isso era preciso encontrar uma forma de fazê-lo abaixar a cabeça e resignar-se à raça branca – supostamente superior. A primeira acção foi separar os negros da mesma raça ou região. Misturando-se indivíduos que possuíam línguas diferentes, tornava-se quase impossível a transmissão de valores, saberes e tradições intemporais que só poderiam ser feitas oralmente, pois ao negro não era permitido o acesso às escolas, logo, não sabia escrever. Esta situação tornou o negro dependente da sabedoria do branco e esta condição, infelizmente, ainda hoje persiste. Estavam lançadas as bases para o nascimento da desconfiança e inveja no seio dos negros. Essas bases foram construídas num terreno cheio de ignorância e superstições (o subconsciente do negro) que conseguiram chegar até aos nossos dias. 

A sociedade cabo-verdiana, em vários momentos, tem demonstrado os efeitos nefastos desses ensinamentos racistas e xenófobos. São vários os casos em que as autoridades preferiram não apoiar uma iniciativa de um cabo-verdiano e decidiram apoiar o mesmo projeto, depois de ter sido apresentado por um estrangeiro (branco). A questão não é que não acreditaram no projeto em si, mas sim no autor. São vários os casos em que o cabo-verdiano não consegue ver aquilo que têm dentro da sua terra e espera que um estrangeiro (branco) venha lhe mostrar. Isso porque o negro tem imprimido no seu código mental de que não é capaz de se desenvolver ou ser progressista sem autorização e acompanhamento do branco seu Ex-Patrão, por isso o Medo paralisa-o, muitas vezes de tomar as suas próprias iniciativas. 

O Síndrome de Lynch manifesta-se, em todos os escalões da sociedade e em todas as idades. São crianças que preferem brincar com bonecas brancas, loiras e de olhos azuis por serem mais lindas do que as bonecas pretas de cabelos cuzcuz. Teremos neste comportamento uma forma de servidão, da necessidade de cuidar da senhora branca, e dos seus filhos.  Manifesta-se nos nossos comerciantes que continuam a encher as prateleiras com bonecas brancas e a ignorar (inconscientemente) a beleza de uma boneca negra. Manifesta-se quando desconfiamos da perícia de um médico, arquitecto, engenheiro ou qualquer outra profissão num cabo-verdiano que formou-se na mesma Universidade e terminou com melhor classificação, mas preferimos o outro por ser branco.

Veja algumas definições “interessantes” encontradas em um dicionário:
Negregado, adj. que merece ser amaldiçoado; funesto; mofino; desgraçado. (Do latim nigricare)
Negro, adj. preto; sombrio; oprimido; triste; escravo; medonho; mofino; trevas.

Black é a expressão inglesa que significa negro ou preto. Mas na realidade é a fusão de duas palavras que no seu verdadeiro contexto tem um grande efeito psicológico na mente do Homem Original.
Black = B-Lack, pronunciado em inglês, com tradução Be(ser) + Lack(indesejável; último, etc.). B-Lack = ser indesejável no contexto de palavras usadas mitologicamente para propósito racial. Black = Negro, no contexto positivo e real, significa originalmente de onde veio todas as outras essências. O Universo em si representando Deus e toda a sua criação cósmica." - Odemir "Miru" Teixeira
  1. assino em baixo sem acrescentar uma vírgula
    Excelente reflexão Dai e ao mestre Miru.
    A luz brilha fora da caverna, infelizes os que ainda não sabem disso.
    Peace

    ResponderEliminar
  2. Quero parabenizá-lo pelo seu excelente trabalho! Encontrei o seu blog através de um vídeo na internet. Sou brasileira da Bahia e muito me interessa a cultura cabo-verdiana. Fico impressionada com as nossas semelhanças. Em minhas pesquisas sobre o seu país,nunca me deparei com reflexões como esta. Pensei que não existia preconceito e negação da identidade negra em Cabo Verde, mas através do seu texto acredito que mantemos semelhanças até nesse quesito. Aqui no Brasil ainda persiste o mito da Democracia Racial, que supõe que as três "raças" (africana, indígena e européia), formadoras da população brasileira, sempre viveram de forma harmoniosa e que todos nós somos mestiços. Entretanto, essa ideologia serviu no passado e ainda serve para mascarar a nossa realidade, justificando a desigualdade social e econômica que tem suas bases no racismo, no preconceito de cor e na discriminação racial. A negação da identidade negra é um fenômeno cruel e por vezes inconsciente, pois se desenvolve a partir de referencias e padrões eurocêntricos, que por sua vez recai na estética. Os negros, de tez escura ou clara que decidem afirmar suas identidades através da aparência, mantendo seus cabelos naturais sofrem um grande preconceito em várias instâncias da vida social. Contudo, essa negação da estética africana pela escola, lócus de aprendizagens e conhecimentos é inadmissível. Nas escolas brasileiras esse fato é corriqueiro, mas como o texto aponta, o racismo é velado, sútil e mais difícil de ser combatido. Precisamos reverter esse quadro e muito me alegra me deparar com iniciativas como a sua.

    ResponderEliminar
  3. muito agradecido, Ana Lua. Continue a visitar o blogue para conhecer um pouco mais sobre Cabo Verde.

    ResponderEliminar

Whatsapp Button works on Mobile Device only

Start typing and press Enter to search