Abraão Vicente reconhece: "cometi alguns erros" | Dai Varela

24 de março de 2012

Abraão Vicente reconhece: "cometi alguns erros"

Abraão Vicente
Ao completar um ano do seu primeiro mandato como Deputado Nacional, Abraão Vicente (que é também artista) reconhece em exclusivo para o blog "daivarela: um crioulo n'descontra" que durante a campanha da Legislativas de 2011 assumiu guerras que não eram suas e que se fosse agora faria diferente. 
Considerado “l’enfant terrible” ou o polémico da política cabo-verdiana, o deputado nacional defende-se que são “os outros” a criarem as controvérsias e explica o que mudaria no actual Sistema Parlamentar e suas ambições mas não revela quantos óculos têm. 


Um ano após ser eleito mudou a sua visão sobre o trabalho ou a vida dos deputados agora que está a exercer? 

Hoje penso que as críticas a que os deputados são recorrentemente sujeitos são em grande parte injustas e rudimentares. Creio que o Parlamento como instituição tem sido alvo de um esvaziamento por parte do governo na sua principal função que é a legislativa, tem sido secundarizado na construção narrativa do país que deve ser feito essencialmente pelo debate parlamentar e não pelas propagandas políticas nas televisões e rádios. 

Os deputados realmente têm uma vida boa? 

Não. Falando por mim, minha resposta é taxativa: não. O nível de exposição aos eleitores, a falta de redes organizadas para influenciar o poder e ajudar efectivamente as populações deixa o deputado de mãos amarradas. Dizer que os deputados têm vida boa é uma blasfémia se se pensar a quantidade de leituras e de investigação que se tem de fazer para se estar sempre atento à realidade e a acontecimentos que ultrapassam a compreensão intuitiva, se se pensar as muitas horas dedicadas à negociações e à busca de entendimento não há privilégio que pague o valor dessa missão. 

Para si os deputados deveriam ter mais privilégios? 

"Gosto do confronto político e do potencial
de troca intelectual que o Parlamento têm"
Não. Não vejo os cargos políticos como oportunidade para ter privilégios. Contudo penso que os representantes do povo devem ter as condições mínimas de trabalho. Você sabe há quanto tempo pedi uma mesa de trabalho para o meu gabinete? Desde a minha entrada e o meu pedido foi taxativamente recusado pela administração. Acha isso normal? E depois o que se chama de privilégios? A imunidade? Eu estarei sempre disponível para abdicar dele caso for necessário para facilitar o trabalho da justiça. Passaporte diplomático? Nunca o usei e nem tenho intenções de o usar a não ser em missões de representação da Assembleia Nacional. 

Neste momento a reforma do Parlamento está em andamento. O que mudaria no actual sistema parlamentar? 

O Parlamento precisa apenas de um liderança que exerça plenamente os poderes que a constituição e o regimento interno lhe outorgam. Ele tem muitas vezes um funcionamento deficitário porque há um conluio entre o grupo parlamentar da maioria (do qual faz parte o presidente da Assembleia Basilio Mosso Ramos) e o governo. Veja-se os casos das audições parlamentares que é “instituição” que não funciona porque o PAICV bloqueia sistematicamente os pedidos da bancada do MpD ou mesmo o facto do Sr. Primeiro-ministro recusar de forma recorrente dar explicações ao Parlamento. Por outro lado creio que a casa parlamentar tem de ser transformada num verdadeira casa de debates, algo que o actual regimento não facilita. Por fim creio que é tempo de haver uma efectiva profissionalização dos deputados no sentido da casa parlamentar ser de facto uma casa vivida e sentida pelos deputados. 

Durante a campanha para as Legislativas de Fevereiro de 2011 foi muito criticado por causa de alguns discursos seu em palco. Arrepende-se de alguma posição tomada durante este período? 

"Continuo a ser um 'bicho estranho' na política
devido a algumas características pessoais que para
muitos constitui um risco ao seu
status quo"
Cometi alguns erros pela forma exagerada e um pouco emotiva com que encarei essas campanhas. Perdemos as eleições e esse foi motivo mais do que suficiente par repensar toda a minha postura. Estou num processo de aprendizagem, não de arrependimento. O passado só serve para isso: ajudar-nos a compreender e aprender. 

Faria diferente agora? 

Dedicaria 100% do meu tempo em palco a apresentar propostas, a motivar a juventude e a projectar um Cabo Verde à imagem das aspirações da juventude cabo-verdiana. Esse é o caminho, essa deve ser a política positiva, de identificação, de partilha de valores e ideais que eu pretendo fazer. Ter participado nessas eleições foi receber a maior lição da minha vida. 

Sente que durante a campanha assumiu algumas guerras que não eram suas? 

Sem dúvida. Essa foi das grandes lições. Contudo hoje tenho mais informação, maior conhecimento das redes e disputas de poder e muito dificilmente cometerei os mesmos erros. De todas as formas o único culpado das minhas falhas fui eu pelo facto de assumir com algum vigor os desafios a que me proponho. Estou a trabalhar para, conhecendo melhor o metier de fazer política, dar uma outra voz e um outro contorno ao contributo que possa dar a Cabo Verde e ao MpD. 

Como é ser um artista na política? 

Na política não sou artista. Contudo a minha sensibilidade como artista ajuda-me a ter outros pontos de vista sobre as grandes questões nacionais. Ser também artista é sem dúvida uma mais-valia. 

Como é ser considerado l’enfant terrible (ou “o polémico”)? 

"Penso que as críticas a que os deputados
são recorrentemente sujeitos são em
grande parte injustas e rudimentares"
Não me considero polémico. Quem faz a polémica são os outros. Mas devo confessar que gosto dessa relação de amor/ódio que muitos nutrem pela minha figura. O engraçado é que apesar das polémicas tenho conseguido manter intacta a pessoa que está por detrás dessa “figura”. Quem me conhece de perto sabe que o retrato um pouco maquiavélico que muitos pintam de mim está a anos-luz de ser a realidade. Ser considerado “enfant terrible” não me aquece nem me arrefece, é apenas mais um label para a colecção. Isso é assunto dos outros. Não perco o meu tempo a pensar nesses rótulos. 

Sabe que seus óculos são famosos? 

Isso prova a futilidade e a superficialidade de algumas análises sobre a minha pessoa. Fico feliz que não tendo argumentos para me derrubar alguns se divertem com a cor dos meus óculos. (risos) Enquanto isso vou trabalhando. 

Quantos óculos têm? 

Alguns. Mas uso um de cada vez. 

Quais as suas ambições agora? 

Continuar vivo (risos) … manter a lucidez, continuar a escrever e a pintar, manter essa sede insaciável para aprender mais, alcançar ser um bom pai para o meu filho, conseguir a excelência nas coisas para aos quais me dedico. Quero manter os meus valores e ser fiel ao que acredito. Com base nisso acredito que todos os meus projectos irão ver a luz do dia com sucesso. E sucesso para mim é fazer tudo ao nível da excelência. 

Politicamente quero contribuir não só para a vitória do MpD nas autárquicas de 2012 mas também conseguir encontrar espaços para que nova geração de cabo-verdianos possa contribuir de forma válida para a criação de uma alternativa credível para o país. 

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