Quem és tu? | Dai Varela

27 de março de 2011

Quem és tu?

Afinal de contas, perguntar ‘quem é você’ só faz sentido se você acredita que possa ser outra coisa além de você mesmo; só se você tem uma escolha e só se o que você escolhe depende de você; ou seja, só se você tem que fazer alguma coisa para que a escolha seja ‘real’ e se sustente. Estas são as palavras de Zygmunt Bauman, sociólogo eclético que usa a metodologia de revelar as várias conexões entre o objecto da investigação e outras manifestações da vida na sociedade humana.

Tendo em conta o pensamento de Bauman, quando se faz um inquérito onde pergunta-se a um caboverdeano se ele se sente africano ou europeu, não estaremos perante um caso de crise de pertencimento?

Muitos caboverdeanos tem vergonha ou repulsa de serem conotados como africanos, não por se sentirem somente caboverdeanos, mas pelo estigma associado ao continente negro. Infelizmente a África que nos é apresentada pela Comunicação Social é representada por povos selvagens e incultos. Muitos se envergonham por verem culturas com vários milhares de anos expressando-se enquanto pensam que estes quinhentos anos de escravatura são a fonte do belo e do superior. A imprensa transmite seus noticiários onde negro quase sempre aparece como o traficante, o bandido ou o pobre-diabo, por isso não queremos estar associado à imagem do negro.

Analisando a identificação ‘continental’ do caboverdeano, mais do que uma leitura das percentagens estatísticas daqueles que se dizem africanos ou europeus (o próprio fenómeno) seria também estudar a nossa forma de vestir, a dieta alimentar, as manifestações culturais e religiosas, etc. (ou seja, o contexto do fenómeno). Isso seria pôr em prática aquilo que Zygmunt Bauman considerou como o primeiro acto de qualquer envolvimento na vida públicas: o princípio da responsabilidade.

É triste constatar que grande parte da nossa História foi escrita pelos colonizadores. Entende-se que os estudos nos estavam vedados. Mas hoje é imprescindível uma mudança de atitude da nossa ‘elite’. É altura de reescrevermos nossa própria História para evitar que nossos filhos tenham que abrir um dicionário e encontrar estas definições:

Negro, adj. preto; sombrio; oprimido; triste; escravo; medonho; mofino; trevas.

Negregado, adj. que merece ser amaldiçoado; funesto; mofino; desgraçado. (Do latim nigricare)

São essas definições que fazem com que um crioulo tenha receio de dizer que alguém é preto ou negro. Quando um crioulo quer referir-se à alguém de pele negra, diz que a pessoa é ‘escurinho’, ou ‘escura’. Haja paciência. Não há pessoas escuras. Escura é a noite. Serão poucos os que tem orgulho nessa cor negra?

É necessário reescrever nossa História para que possamos estudar sob outra perspectiva autores como Kant. Ele que é considerado o filósofo moral mais importante mas que tem artigos em antropologia e geografia física onde descreve uma espécie de nível de quatro camadas de seres humanos. Esta é uma visão racista e restritiva da personalidade onde o pré-requisito para a personalidade é ser branco. Segundo Kant, apenas a camada europeia, a primeira camada, que tem o necessário para serem pessoas completas. Os asiáticos estão abaixo dos europeus, depois os ameríndios e por fim os negros.

Li uma vez que muitos dos filósofos que escreveram durante o período do Iluminismo tiveram um papel racionalista crucial em justificar o imperialismo europeu e a justificar o domínio dos brancos sobre os negros e índios. Então porque estas coisas não são mais conhecidas? Porque os seguidores de Charles Darwin, Kant, Hegel, Locke, etc. não os abordaram nessa questão? Hoje representamos estas pessoas de forma a não remeter para a espécie de dimensões racistas do seu pensamento.

Porque é que temos que continuar a estudá-los como se isso nunca tivesse existido? 

Se vocês que se enchem de orgulho besta ao falarem “uma vez é que se aprendia na escola, não agora” ou “a quarta classe de uma vez é que era difícil e onde se aprendia realmente, não essa leviandades fáceis de hoje em dia” não mudaram os manuais escolares para melhor, cabe a nós fazermos isso.

Afinal, quem és tu? 


  1. Antes de mais um grande abraço!

    Dai, continuas a trazer à baila temas que mexem com a ferida de muitos caboverdeanos, lembro-me como fiquei apavorado depois de ler documentário Amílcar Cabral da coordenação de António E. Duarte, onde podes ler quase todos os escritos do Cabral e perceberes o Lado B da nossa historia que nao foi esclarecida, como por exemplo, a unidade entre Guine e CV.

    Indo ao tema do blog, falar do "quem és tu?", é a mesma coisa do que falar aos caboverdeanos "és sampadjudo ou badiu"(pelo menos, muitos pensam assim), um tema que darei o seu devido tratamento depois, até porque sou da opinião de que, de certa forma, sofremos uma crise de identidade.

    A questão da historia e os contornos tem a ver com questões económicas e classes dominados e dominadoras. O Joseph Ki Zerbo soube, e muito bem, desmistificar a tramoia dos colonizadores, falo por exemplo, da Pré-historia que, segundo ele, não tem nenhum cabimento o homem que inventou a sociedade, religião, a posição erecta entre outras, a ficarem na pré-historia. Ninguém conseguiu derrubar este historiador africano mas nem por isso ouves a comunicação social a falar disso. Ele disse que se Adão e Eva tivesse nascido na Califórnia ou qualquer estado americano ouviria isso mais de 50 vezes por dia na CNN. A questão da comunicação social, mais concretamente a televisão, não tenho muito a acrescentar além daquilo que Pierre Bourdieu disse.

    Com um queniano, o Gitau, aprendi aqui na faculdade que uma das coisas mais feia de dizer uma pessoa, às vezes por ignorância, é NEGRO que é a tradução literal do niger ou nikro(?), esta ultima, usada pelos romanos para caracterizar aquilo que é um objecto, algo inútil ou coisas.


    Bem, já la vai longe este comments, se poderes compre o livro "Para Quando a África ? Entrevista com René Holenstein - Ki - zerbo, Joseph".

    Abraço

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  2. Oi varela
    Manera tud cool.

    Um adora bo crónica, mas como mim é bonezera um repará que bo escreve Expresssando-se( com 3 S).

    Bijim

    Fca dret

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  3. Ola MRVADAZ
    O tema da identidade caboverdeana é algo que mexe comigo pois tenho reparado que nós temos um grave problema nesta área.

    Isso reflecte-se na nossa convivência entre "sapamdjudo e badiu" que é algo que me causa muita estranheza.

    Vou procurara este livro na net porque se depender de livrarias no Mindelo estarei à rasca.

    Abraço

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  4. Oi Samira Gomes.

    è por bo ser bonezera k jam deb pe no faze um sociedade de comunicação: bo te pome boné e mi um te publicá. O k bo te otchá dess proposta?

    bijim

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  5. Normalmente quando paro para reflectir e analisar 'quem sou eu' é mais na questão espiritualista do que noutro sentido.
    No momento em que o caboverdeano deixar de ser complexado, ele começara a aceitar os factos como são. Somos negros e prontos. Eu tenho orgulho nisso.
    E se continuarmos a deixar que os europues contam a nossa história continuaremos na última classificação de Kant. Precisamos de mais jovens como tu para mudar a mentalidade dos nossos velhos e novos.
    Continua,
    gostei da crónica.

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  6. Oii Criola de terra, bem-vinda ao blog.

    Ainda bem que tens orgulho da tua cor negra pois ela é linda.

    bijim e 'brigada

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