Os caboverdeanos em França, contas feitas por alto [texto de David Leite] | Dai Varela

6 de maio de 2013

Os caboverdeanos em França, contas feitas por alto [texto de David Leite]


Num precedente artigo referia-me ao facto de estarem os caboverdeanos disseminados pelas principais cidades da metade oriental do território francês, num eixo que vai da Agglomération Lilloise (Lille, Tourgoing, Roubaix) à la Métropole Niçoise (Nice e as urbes periféricas de Vallauris, Antibes, Golfe-Juan, Juan‑les‑Pins...). Esse eixo norte‑sul percorre as cidades de Creil, Amiens, Paris, Lyon, Marselha e, mais para leste, Metz, Fameck, Mulhouse... Pode-se imaginar que a maioria dos caboverdeanos em França se concentra na Região Parisiense.

David Leite - diplomata
Esta constatação empírica não traduz um levantamento geo-demográfico, para o qual seriam necessários números. Trinta mil? Há anos que esse número perdura, inalterado, mais como uma espécie de convenção porquanto não repouse sobre nenhum critério estatístico fiável. Claro que somos muito mais! Contas feitas por alto, uns 50/60 mil, senão vejamos: só nos arquivos consulares da Embaixada achavam‑se inscritos, à data de 19 de abril último, 30.011 indivíduos.(1)

Se esses dados consulares conferem com os “convencionais” 30 mil(2), no entanto não traduzem a realidade dos factos. E não traduzem porquê? Haja em vista que todos os caboverdeanos não estão inscritos, o que aliás raramente fazem de moto proprio, ficando automaticamente registados ao requerer um documento.

Além disso, ser caboverdeano, hoje em dia mais do que nunca, não é uma mera questão de nascença ou de passaporte, que o não seja de sentimento! Por razões que reclamam a nossa compreensão, muitos dos nossos patrícios na diáspora não são titulares de cidadania caboverdeana: nem de nascença nem de passaporte. Titulares de passaporte francês, senegalês ou português, ou  tratam directamente com os consulados respectivos, ou então com as “mairies” e prefeituras, que por razões óbvias não referenciam os sem-papéis. Assim, do mesmo modo que os indocumentados inexistem nas estatísticas francesas, muitos caboverdeanos “à part entière” não constam dos nossos arquivos consulares – a menos que lhes ocorra requerer a nacionalidade caboverdeana, o que é raro.

Para quem nasceu na terra-longe, requerer um passaporte caboverdeano emana do direito à dupla nacionalidade, patente na legislação subsequente à nova Constituição de 1992 (lei n° 41/IV/92, de 6 avril; lei n° 64/V/92, de 30 de Dezembro). Nesse mesmo ano agregou-se ao jus soliis (direito do solo) a nacionalidade por descendência ou filhação, dando força de lei ao jus sanguinis (direito do sangue, a exemplo do que acontece na Alemanha ou em Israel).

As razões acima expendidas explicam que a comunidade caboverdeana em França seja numéricamente irrisória aos olhos da administração : dados oficiais de 1990 davam conta de apenas 7.240 a residir legalmente(!), 15 a 17 mil incluindo os sem-papéis – ou seja 0,4 por cento do total da população estrangeira presente no território francês.(3) É evidente que essas cifras pecam por defeito e falta de rigor porquanto não levam em conta os titulares de passaporte não caboverdeano, os binacionais e o número avultado de indocumentados. Mas sendo os critérios estatísticos os mesmos para todos, pode-se admitir que a percentagem (0,4 por cento das comunidades estrangeiras) se mantenha inalterada.

Acresce a extrema mobilidade consentida no espaço comum europeu, o que torna difícil e aventuroso qualquer levantamento estatístico. As migrações de um país para outro podem ser um derradeiro expediente à procura de um “pedaço de papel” lá onde seja mais fácil obtê-lo, quase sempre em Portugal... mesmo correndo o risco de ser apanhado e reconduzido à fronteira! Quantos “sem-papéis” não terminaram a sua viagem ao pé dos Pirinéus, na fronteira com a Espanha!

Claro que a realidade migratória que vivemos em França não deve ser muito diferente do que se verifica em outras latitudes quando falamos das diferentes categorias de emigrantes: os binacionais (por assento de nascimento ou nacionalidade adquirida) e aqueles que só têm o passaporte caboverdeano (muitos, infelizmente, “sem-papéis”, isto é, em situação dita “irregular” aos olhos do país de acolhimento.

Daqueles que optaram unicamente pelo passaporte do país onde nasceram, ou que conscientemente adoptaram, nem todos são caboverdeanos de sentimento. É legítimo e estão no seu direito, mas ninguém me venha dizer que é caboverdeano quando lhe der na real gana ou quando mais lhe rende! Posso estar errado, mas não vejo porque haveríamos de “impor” ou “emprestar” a caboverdeanidade a pessoas que, conscientes das suas origens caboverdeanas, legitimamente preferiram outra opção, vivendo de costas viradas para as ilhas! Caboverdeanos de circunstância em tempo de vacas gordas, alguns até reclamam tratamento diferenciado, e é verdade que a muitos não têm faltado foguetes e tapete vermelho!


Mantenhas da Terra-Longe, 4 de maio de 2013
David Leite
(modestoleite@facebook.com)


(1)           Dados a tomar com precaução até 2008, data de introdução do sistema informático que veio revelar falhas e imprecisões numéricas susceptíveis de reduzir os cálculos precedentes.

(2)           De 7/11/2003 a 19/04/2013 (3788 dias, mais dia menos dia), as inscrições consulares aumentaram de 18.674 para 30.011: ou seja uma diferença de 11.337 inscritos, perfazendo uma média de 3 inscrições/dia.

(3)           Fonte: INSEE, recenseamento de 1990. Cf. “La Diaspora capverdienne et les pratiques communautaires”, Francine Vieira, Bordeaux, 1997, pp 62, 69.
  1. Estudo muito interessante sobre a emigração dos cabo-verdianos em França e algures pelo mundo.
    Gosto tanto do facto de ter nascido em Cabo Verde que acho que gostaria de ter um dia dupla nacionalidade...ah e cá o Sr. David Leite escreve Caboverdeanos erradamente...
    É assim que se escreve ( eu tb não sou especialista em língua portuguesa...):
    Masculino cabo-verdiano cabo-verdianos
    Feminino cabo-verdiana cabo-verdianas

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