"Escola de Mulheres" - a minha opinião | Dai Varela

24 de março de 2013

"Escola de Mulheres" - a minha opinião

Elenco da "Escola de Mulheres"
Fui ao teatro e aceitei o desafio de escrever sobre o que vi e de que forma me senti identificado com o objecto artístico, enquanto cabo-verdiano. 
Como hoje quero falar dificil, direi que fiz com que a minha pessoa estivesse e permanecesse no edifício onde se apresentam as peças dramáticas no decorrer da "Escola de Mulheres", a 48ª produção do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo.

Assisti na sexta-feira (22 de Março), na estreia, um dia que sei não ser muito aconselhável para quem vai ver para escrever. Isto porque os actores costumam estar um pouco nervosos na estreia, ganham o pico no sábado e no domingo já estão com o acumular do stress. Mas convite não se discute, nera?

Elísio Lima

Quando cheguei, a primeira coisa que notei era que o João Branco estava todo “fatiotado”. Fato preto e gravata de borboleta. Pensei logo que pouca coisa não deveria ser porque ele não fazia parte do elenco na ficha técnica. A surpresa estava reservada para o final da peça “Escola de Mulheres”, de Moliére.

Reparei também que, ao contrário do tradicional, os actores já estavam em cima do palco enquanto o público entrava. Andavam de um lado para outro fazendo vénias como a dizer: “Obrigado por virem ao Centro Cultural do Mindelo (CCM) e comemorar os nossos 20 anos de percurso. Já vão ver, mas nós merecemos os aplausos.”

Mas, já antes tinha dito que o CCM tem um problema de propagação do som e isso é resolvido com uma boa projecção da voz. Inicialmente tive dificuldade em entender os diálogos. Principalmente de Elísio Leite Lima enquanto jogava o tradicional golfe com o seu companheiro com tiques ingleses, Edson Gomes. Este último, um actor talhado para a comédia desde os tempo que éramos colegas na escola secundária do ex-Quartel (António Aurélio Gonçalves) e cansava a cabeça dos professores com as suas palhaçadas.

Renato Lopes, Janaína Branco, Elísio Lima e Edson Gomes

Gostei a opção por música ao vivo pela diferença que marca e também pela grande responsabilidade que acarreta. Nada que o genial Khali Angel (último director musical de Cesária Évora) não conseguisse dar conta ao piano, no seu figurino estilo anos 20 do século passado. Entradas certeiras da banda sonora com o músico a fazer parte do elenco e estreiar-se como actor. Perdeu assim a sua virgindade teatral pelas mãos de João Branco. Nota muito positiva para as interpretações musicais de Elísio Lima que cantou várias letras originais nos arranjos músicas conhecidas de mornas, coladeras e outros géneros estrangeiros. Gostei muito.
Quem também perdeu seus “três vinténs” (ou virgindade) foi a personagem “Inês”, muito bem interpretada pela Elba Lima. Rapidamente cativou o público – principalmente os homens que gostariam de ter uma mulher burrinha e fiel. Seus tiques de voz deram maior alegria à interpretação e o trabalho corporal quando sentia “aqueles” calores a subir-lhe por entre as pernas rasgou gargalhadas na audiência (principalmente da Patrícia que não consegui parar de rir, sentada atrás de mim). Apesar disso, sentiu-se alguma quebra na personagem após o clímax.

Outra grande alegria da noite foi assistir a interpretação do “francês”, Jair Estevão (para quem não saiba, ele é filho de Manuel Estevão, prémio “Mérito Teatral” 2012). Estiveram soberbas: a caracterização, os tiques, as falas (apesar de não ter conseguido entender tudo do seu francês) e a interpretação. Ainda acho que ele deveria ter cantado nesta peça também – já o tinha visto e ouvido no musical infantil “Os Satimbancos”, com música de Chico Buarque, no Mindelact’2011, e considero que é uma vertente que deveria explorar.

Jair Estevão

Gostei de ver a dupla de criados “tanás” (não muito espertos) interpretados por Renato Lopes e Janaína Branco. Sempre muito energéticos e a inventarem diabruras, estes dois também souberam divertir o público. Quase sempre estiveram dentro da “casa” muito bem concebida e pintada por Fernando “Nóia” Morais que construiu os adereços de cena. Gostei do trabalho de luz apesar de admitir que seria melhor se a teia cénica estivesse em melhores condições. Gostaria de ter visto o candeeiro iluminar-se na entrada do “francês” para dar um toque mais cinematográfico.

A “Escola de Mulheres”, de Jean-Baptiste Poquelin (ou Molière), foi apresentada pela primeira vez em 1662 e agora muito bem adaptada para a vivência crioula por João Branco, que também assumiu a cenografia e direcção artística. Talvez a necessidade de manter-se o mais fiel possível à obra-prima de Molière, fez com que o texto tenha ficado um pouco extenso (a peça deveria iniciar-se às 21:30 mas só cheguei em casa à meia-noite). Mas este é mais um trabalho a comprovar a qualidade do Teatro em Cabo Verde e os seus agentes, nas suas várias dimensões.

Considero que este é um grande espectáculo no seu todo e que vale a pena ser apreciado. E a surpresa final é ver João Branco a descer as escadarias do CCM a cantar (sim, a cantar) a plenos pulmões e encerrar a noite debaixo de palmas de um auditório completamente cheio.
Aproveita e veja a reportagem da TCV acerca da estreia da peça:

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