João Bosco: somente um homem e uma guitarra | Dai Varela

3 de setembro de 2012

João Bosco: somente um homem e uma guitarra

João Bosco em espetáculo no Mindelo
Foi o quanto bastou para João Bosco encantar a plateia presente na Academia de Música JotaMont, em São Vicente, a 17 de Março de 2011. Em cima do palco, um artista com mais de quarenta anos de carreira numa relação íntima com a boa música. Durante cerca de uma hora de espectáculo, João Bosco desfilou um mosaico de clássicos como Odile Odilá, Coisa Feita, Àguas de Março ou Papel Maché que na certa renderam-lhe novos admiradores no público caboverdeano. Talvez por ser um artista pouco conhecido do grande público, a Academia não se encheu para apreciar um dos maiores cantores-compositores da música brasileira. Perderam os que se ausentaram. 

Conhecido pela sua ‘técnica da mão direita’, o virtuoso instrumentista brasileiro mostrou que a sua, também, técnica vocal é capaz de encher uma sala de sensações e provocar arrepios pelo seu timbre característico e próprio. 

Sem definir um reportório para o espectáculo, João Bosco mostrou domínio das suas técnicas e cantou músicas da sua autoria e de compositores que diz admirar. “Eu quando estou com meu violão, num concerto a solo, não há um roteiro de canções pré-determinadas. Elas vão surgindo à medida que vou lembrando das pessoas ou lugares que me são muito caras. Cada show solo é uma história diferente, porque assim que é para mim estar sozinho no palco” Isso fez com que o público pudesse apreciar composições do próprio ou outras como "Vatapá" de Dorival Caymmi ou "Águas de Março" de Tom Jobim. 

Sinto alguma intimidade quando
escuto música crioula
“Gostei muito da maneira compenetrada que o público de São Vicente teve dentro das canções. As pessoas ficam absorvendo as músicas dentro da sua intensidade e profundidade. Isso é muito bom porque posso concentrar e tentar expressar sonoramente a palavra, a sua história, a harmonia e melodia. Enfim, esse universo que compõe a música que faço”. 

Da primeira vez que esteve no país, nos anos 90, o artista compôs a música ‘Tanto Faz’ e agora pretende levar na sua bagagem musical mais uma canção inspirada em Cabo Verde. “Todo o lugar inspira-me e é um motivo de ideias novas. Com certeza Cabo Verde é um desses lugares. Já o conhecia de ouvir falar há muitos anos. Desde muito jovem que já conhecia a poesia daqui. Também adoro a sonoridade da língua crioula que as pessoas falam. Acho bonito e musical. Já tinha pensado numa canção quando estive aqui e devo levar outras daqui também.” 

Veja o vídeo da música "Tanto Faz"

“Essa cultura caboverdeana, dentro dos seus caminhos e cruzamentos, através da coladeira ou dos ritmos mais animados como o funaná isso já conhecemos e temos dentro de nós. Sinto-me bem, com alguma intimidade quando escuto a música crioula. Desta forma fico mais perto de Cabo Verde.” Afirma o virtuoso instrumentista brasileiro. 

Canta seu viver brasileiro
mas deixa fluir sua africanidade
A música ‘Tanto Faz’ foi assim definida pelo poeta brasileiro, Eucanaã Ferraz: “A elegância do canto, preciso, recto, soa como o depoimento de uma vida em que não cabe mais qualquer ilusão. Um desabafo, que soaria sentimental decerto, não fosse a sua extrema força céptica, seu senso de liberdade: ‘Eu vou partir/ Saio do jeito que eu vim/ Sem pedir nada a ninguém/ Sem nada pedir’. Só que, mais uma vez, a contradição traz seu brilho de adaga quando, ao final, o vocalize lancinante – queixume, gemido, quase um grito – parece desmentir as palavras que diziam apenas das certezas, da lucidez e da ética imperturbável. Explosão e contenção, portanto, confundem-se numa dinâmica musical que em tudo lembra os grandes clássicos do samba carioca. Mas ‘Tanto faz’ é mais que alusão ou homenagem, pois não seria difícil dizer que ele próprio é, desde já, um clássico.” 

Conhecido por ser um artista versátil, que cresce no palco, João Bosco manteve sempre uma conversa e empatia com seu público enquanto arrancava acordes melodiosos da sua inseparável guitarra acompanhados de soberbos efeitos vocais. Engenheiro de formação, o artista diz ser o irmão mais novo de Gilberto Gil e que procura cantar o seu viver brasileiro e deixar transparecer a sua africanidade. “Eu pretendo contar uma história que é sempre um pouco a história do Brasil, da música brasileira, das suas gentes e sua cultura. É isso que vai acontecendo durante os shows.” 

João Bosco esteve em Cabo Verde no âmbito do projecto “Brasil ao vivo em Cabo Verde” que surge da parceria entre o Centro Cultural Brasil-Cabo Verde e a 3B produções, empresa de eventos, que antes tinha trazido a cantora brasileira Adriana Calcanhoto no mês de Novembro de 2010. 





  1. Este artigo estava guardado e só agora reparei que não o tinha publicado. Fica como registo.

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