Corrupção: Médicos lucram com atestados-fantasmas | Dai Varela

15 de dezembro de 2011

Corrupção: Médicos lucram com atestados-fantasmas

Médicos inscritos na Ordem desta classe estão a passar atestados a candidatos à carta de condução sem nunca os terem sequer observados. Um esquema feito com a conivência das escolas de condução e que tem rendido milhares de contos anuais aos médicos prevaricadores. Enquanto isso autoridades afirmam desconhecer o facto. 

Médicos lucram milhares de contos anuais com 
atestados sem nunca terem visto pessoa 
em conivência com escolas de condução
É mais um caso que vem ensombrar o prestígio e a credibilidade da classe médica caboverdeana. De acordo com o apurado por esta reportagem, são várias as escolas de condução do país que beneficiam da emissão de Atestados Médicos por profissionais inscritos na Ordem dessa classe para efeito de exames teóricos e práticos sem que os visados se desloquem a um Centro de Saúde, Hospital ou Clínica e, sem serem auscultados ou vistos, pelo menos, por um médico. 

Em várias escolas de condução contactadas, os responsáveis admitiram, em “off”, claro está, que para a inscrição basta entregar fotocópia do bilhete de identidade, registo criminal, fotografias e um atestado médico. Numa escola da Praia, instada se o atestado seria entregue pelo inscrito, a pessoa que nos atendeu explicou o esquema: “Não é necessário, nós temos uma médica que faz isso. Basta entregarmos os dados dos alunos e ela envia-nos os atestados assinados.” 



Esta prática também já é antiga em São Vicente como apurado junto do chefe de secretaria de uma escola de condução que também não quis se identificar. “Os processos de vários alunos são juntados”, explica, “e depois o médico passa para assinar antes de serem enviados para a Viação”. Contactado, o responsável por outra escola, que também quis preservar o anonimato, explicou que “os alunos só precisam pagar pelo documento.” 


Expulsão da Ordem pode estar a caminho 

A aprovação em inspecção médico-sanitária sem que o médico sequer veja o indivíduo é um facto recorrente em quase todas as escolas do país, segundo o que este semanário apurou. Confrontando com estes dados o Bastonário da Ordem dos Médicos de Cabo Verde, Júlio Barros Andrade, garante que é a primeira vez ouve falar do assunto. “Esta é uma questão que nunca ninguém colocou. Não tenho nenhuma informação sobre isso, e nem nunca se apresentou nenhuma queixa em relação a essa matéria. Realmente, se um médico anda a passar atestado sem observar o paciente terei que o chamar a capitulo”. 
Júlio Barros Andrade: "A sanção
pode ir até a expulsão da Ordem"

Na sua avaliação, este é um assunto que deve ser denunciado pelo cidadão comum que paga por um serviço que não é prestado. “E, cabe ao Conselho de Disciplina enquadrar a sanção aplicável que pode ir de suspensão a casos mais extremos como expulsão da Ordem”, explica o Bastonário que avança não ser admissível a emissão de um atestado sem que a pessoa seja observada, “excepto se este for o médico de família e que faz o seu acompanhamento regular e conhece seu histórico”. 


Inspecção Nacional de Saúde é quem deve fiscalizar 

Ariana Monteiro: "Se isto
estiver a acontecer
trata-se de uma
 irregularidade"
Por sua vez a Delegada de Saúde de São Vicente, Ariana Monteiro, também afirma desconhecer casos do género. “Se isto estiver a acontecer trata-se de uma irregularidade pois o médico tem que observar o indivíduo para saber se, por exemplo, precisa ser encaminhado para uma consulta de oftalmologia antes de poder conduzir um veículo.” 

De se notar que a Delegacia de Saúde faz a fiscalização das clínicas privadas mas não das escolas de condução. “Nós não vamos fiscalizar a conduta de um médico prestando serviço nestas escolas que eventualmente possa estar a tomar estas acções. Isto cabe à Inspecção Nacional de Saúde para averiguar estas denúncias porque esta não é uma situação habitual e nem normal”, declara Monteiro. 


Cada “canetada” vale 900 escudos 

O certo é que em São Vicente cada atestatado médico custa mil e 300 escudos e o médico recebe novecentos escudos da escola de condução por cada assinatura, conforme apurou por esta reportagem. Tendo em conta os dados fornecidos pelo Delegado dos Transportes Rodoviários da ilha, Adriano Inocêncio, só em 2010 deram entrada mais de mil processos para exames de carta de condução em São Vicente. 

“E isso apenas das pessoas que não reprovaram e que por causa da caducidade tiveram de entregar novos documentos”, explica Inocêncio que afirma já ter identificado dois médicos que as escolas mais regularmente recorrem. “Temos suspeitas de que este expediente acontece, mas não podemos fazer nada porque os atestados chegam assinados legitimamente e não é da nossa competência fiscalizar estes documentos”, avança Inocêncio. 

Segundo dados da Direcção Geral dos Transportes Rodoviários (DGTR), em Cabo Verde há cerca de 40 escolas de condução e por ano são emitidos, em média, cerca de 3200 cartas de condução. 

José João de Pina:
"Trata-se de falsificação
de documentos"
José João de Pina, responsável da DGTR e subintendente da Polícia Nacional, explica que o AM é uma peça importante do processo de obtenção de carta de condução. “Nós exigimos este documento. Havendo indícios de alguma fraude ou dúvida da autenticidade accionamos os mecanismos legais através da Polícia Judiciária (PJ), porque trata-se de falsificação de documentos e é necessário que se tome medidas no sentido de punir os eventuais criminosos”. 

Mas ao mesmo tempo, este director informa que não tem conhecimento de nenhum caso deste tipo. “Esses processos são organizados pela própria escola e são entregues na secretaria da DGTR. Nesta verificam-se se os processos estão completos para efeito dos exames e dão-se seguimento. Se as pessoas souberem de casos deste tipo devem denunciar”, recomenda. 


O que diz a Lei 

Apesar do Regulamento do Código de Estrada no seu artigo 114º, número dois, afirmar que as inspecções médicas devem realizar-se “tendo em conta os condicionalismos processuais, limitações e tolerâncias regulamentares”, o caricato acontece quando o médico não sabe quem é o indivíduo que ele atesta “por sua honra profissional que não possui doença ou qualquer outra incapacidade para conduzir veículos automóveis” conforme vem escrito no Atestado Médico por ele assinado. 

O novo Regulamento do Código da Estrada criou a possibilidade de que qualquer médico possa efectuar as inspecções médico-sanitárias, desde que exerça a profissão no concelho em que o interessado tenha o seu domicilio. Por outro lado, o número quatro do artigo 114º estipula que quando em inspecção normal, o médico verificar que não pode passar atestado de aptidão a um dado candidato, “deverá comunicar a recusa aos respectivos serviços de saúde que passarão a ter exclusiva competência para o exame. Se este se realizar, será designada como inspecção especial”. 



NOTA: reportagem feita em parceria com a jornalista Carla Gonçalves - Jornal A NAÇÃO/Redacção da Praia



  1. Oh Day ca bo manda boca que certeza ja bo recorre a um médico pa ranjob um atestado. Quem ness mund nunca da speed num atestado falso? Só se for quem e ca tem speed man. Nera?

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