A segunda vida de Gerinoia | Dai Varela

18 de agosto de 2010

A segunda vida de Gerinoia



O Café Lisboa, na cidade do Mindelo, tem um funcionário especial. Trata-se de Nuno, um jovem que sofre de doença mental, mas que hoje encontra-se equilibrado por estar sob cuidados médicos. Nuno trouxe dos anos que passou na rua a alcunha de Girinoia e várias marcas de violência física e psicológica. Hoje procura viver uma vida tão normal na medida que a esquizofrenia residual permite. Abriu uma conta bancária, tem um emprego, um telemóvel e já concluiu um curso de iniciação à informática. Nuno vive uma segunda vida.
Sentado a porta do café, Nuno aguarda que o seu chefe e amigo, Alberto Fonseca, indique-lhe as tarefas do dia: fazer compras, ir ao Banco ou pagar as contas. Os trabalhos são feitos na parte de manhã. Nuno precisa estar à hora do almoço no Centro de Apoio aos Doentes Mentais (na zona de Vila Nova) para comer e ser medicado e descansar.
Nuno tem um grande amigo. Amigo do peito. Amigo de todas as horas. O Alberto, proprietário do Café Lisboa ex – jogador de futebol do Benfica. “Eu costumo ajudar o Nuno. Ele vem para cá e faz uns trabalhos e dou-lhe uma pequena recompensa. O Nuno está comigo desde que abriu o novo Centro [Fevereiro 2009]. Ajuda-me a fazer as compras, vai ao banco, paga-me as contas de electricidade e água. Ele faz isso bem e é um pessoa séria que não cria problemas. Estou satisfeito com o seu trabalho cá. É uma forma de o apoiar, porque pessoas como o Nuno precisam de um encaminhamento.”
“Porque no fundo ele tem uma doença e essa doença precisa ser controlada.”
“O Nuno se estiver controlado é uma pessoa normal”, garante Alberto que convive diariamente com ele. “Ele está equilibrado agora porque frequenta o Centro em Vila Nova. Têm lá os medicamentos que toma, dorme, faz as suas actividades. Tem médicos que cuidam dele e dos outros pacientes. Porque no fundo ele tem uma doença que precisa ser controlada.” Mas essa não é a primeira vez que Nuno trabalha. Ele já trabalhou na área de tanques de fibra de vidro para barcos na extinta empresa ONAVE. Nesta época ele encontrava-se integrado num programa para doentes mentais que funcionava no Centro de Terapia Ocupacional da Ribeira de Vinha. “No Centro sabem que ele está comigo, trabalha só na parte de manhã. Enquanto ele está assim é uma pessoa normal, equilibrada. Se esse projecto continuar ele poderá permanecer assim. O problema é se deixar de existir verba para esse projecto como já aconteceu no passado.”
“Ele já tem uma conta no banco, telemóvel, como uma pessoa qualquer”
“O Nuno sente-se satisfeito neste trabalho e não gosta de estar na rua” garante o seu amigo Alberto. “Ele sabe o quanto sofreu quando estava desequilibrado e vadiava pelas ruas de Mindelo. Ele já tem uma conta no banco, telemóvel, como uma pessoa qualquer.” É do seu amigo Alberto que Nuno se lembra quando consegue que a sua doença seja controlada através de medicação e vigilância médica. “Já nos conhecemos há muito tempo e ele quando está bem vem ter logo comigo. E dou-lhe esse apoio naturalmente porque gosto dele. Se você falar com Nuno verá que ele é um rapaz normal que as adversidades da vida lhe deram esse problema.”
Alberto acredita que a questão dos doentes mentais poderá ser minimizada através do apoio das famílias e acompanhamento médico especializado. “ “O Nuno não tendo uma família estável onde possa ficar, ou não tendo um Centro como esse onde consegue tomar os medicamentos, provavelmente poderá recair e voltar para a rua.”
O Centro de Apoio aos Doentes Mentais
A funcionar no espaço do Centro Social de Vila Nova, o Centro é o lar de trinta pacientes. São vinte e quatro homens e seis mulheres divididos por três quartos masculinos e um feminino, com duas casas de banho e uma cozinha com refeitório. Mas o tempo é passado mais no salão comum onde se encontra uma televisão e uma mesa de matraquilhos ou no pátio interior, deitados, tomando banhos de sol. O pessoal do Centro é constituído por seis empregadas, cinco monitores e um responsável administrativo. Mas recebem, periodicamente, a visita de duas psicólogas, uma psiquiatra e um enfermeiro. Toda a medicação é fornecida diariamente pelo Hospital Batista de Sousa.
O Nuno é paciente do Centro desde 15 de Fevereiro de 2009. Aguinaldo Monteiro, responsável administrativo diz que “Foram muito difíceis as primeiras duas semanas, mas isso é normal pois é a fase da adaptação. Ele tem demonstrado uma evolução extremamente grande porque ele mesmo está mentalizado de que sofre de uma doença mental. Hoje trabalha, mas é aqui a sua casa. Todos os pacientes comem e vivem aqui. Vão passear e voltam para almoçar. O Nuno trabalhar de manhã, volta para almoçar e de tarde fica nos seus afazeres, pois já concluiu o seu curso de iniciação à informática feito na Fundação Novos Amigos.”
A convivência diária tende a criar relações de proximidade entre os pacientes e os funcionários. “Nosso relacionamento é mais do que amizade. Se calhar é já mesmo familiar. afirma Aguinaldo, para quem é preciso envolver a sociedade pois que “as pessoas não estão preparados para esse tipo de doença, rejeitam-no, não aceitam, gozam quando as pessoas estão se recuperando, mas também são capazes de ajudar quando é necessário.”

Publicada (também) no Jornal NotíciasDoNorte
  1. Parabéns para uma pessoa que tem a vontade de ajudar o seu próximo

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  2. Meu colega do tempo da tropa, 1995-1997.Junto com outros que prestaram serviço militar nesta época vimos todo o seu sofrimento, até acho que tudo começou ai na tropa e infelismente não foi tratado. É com grande alegria que passo pelo café e ele me comprimenta. Ele sempre foi um excelente pessoa e merece tudo de bom.
    LN

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  3. que venham mais ALBERTOs, eu conheço o " Girinoia", que a brincar nos chamamos " CHULO" um ao outro é uma pessoa que precisava de uma mão amiga. e que ele seja muito feliz com esta nova vida

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