O decálogo do perfeito contista | Dai Varela

10 de julho de 2008

O decálogo do perfeito contista

Horácio Quiroga (1878-1937)

· Acredita num mestre – Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov – com se fossem um Deus.

· Acredita que a sua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, consegui-lo-ás sem te aperceberes.

· Resiste o mais que puderes à imitação, mas imita se a influência for demasiado forte. Mais do que nenhuma outra coisa, o desenvolvimento da personalidade é feito de muita paciência.

· Tem uma fé cega não na tua capacidade para triunfar, mas no ardor com que o desejas. Ama a tua arte como a tua noiva, dando-lhe todo o teu coração.

· Não comeces a escrever sem saberes aonde vais desde a primeira palavra. Num conto bem conseguido, as três primeiras palavras têm quase a mesma importância que as três últimas.

· Se quiseres exprimir com exactidão esta circunstância “do rio soprava um vento frio” não há em língua humana mais palavras que as apontadas para a dizer. Uma vez dono das tuas palavras, não te preocupes em observar se são entre si consonantes ou dissonantes.

· Não adjectives sem necessidade. Serão inúteis todas as fitas de cor que juntes a um substantivo débil. Se encontras aquele que é preciso, só ele terá uma cor incomparável. Mas tens de encontrá-lo.

· Agarra as tuas personagens pela mão e leva-as firmemente até ao fim, sem ver outra coisa que o caminho que lhes traçaste. Não te distraias vendo tu o que elas não podem ou não lhes interessa ver. Não abuses do leitor. Um conto é uma novela depurada de gravilhas. Tem isto como uma verdade absoluta, mesmo que não o seja.

· Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer e evoca-a depois. Se fores capaz então de revivê-la tal qual foi, terás chegado, em arte, a meio do caminho.

· Não penses nos teus amigos ao escrever, nem na impressão que causará a tua história. Conta como se o relato não tivesse interesse senão para o pequeno ambiente das tuas personagens, das quais tu poderias ser uma. Não há outra maneira de obter a vida num conto.

Norton, Cristina, Os Mecanismos da Escrita Criativa, Temas e Debates, 2001

Enviar um comentário

Whatsapp Button works on Mobile Device only

Start typing and press Enter to search